Onde se come a melhor pizza do mundo? Em São Paulo, onde nasci e moro, ouço desde sempre que aqui ela é “melhor do que na Itália”. Será? Então, por que as pizzarias daqui insistem em nomes macarrônicos e referências a Nápoles, onde a pizza foi criada, embora a nossa seja bem diferente? Nápoles é a referência universal, mas cidades que receberam muitos italianos – Nova York, Buenos Aires e, claro, São Paulo – abraçaram a pizza a ponto de criar uma tradição própria. Não espere guardanapos de pano ou carta de vinhos: a tradição se preserva em estabelecimentos corroídos pelo tempo, com garçons (quando os há) quase tão velhos quanto as paredes e que ainda não aderiram à revolução do cartão de crédito. Conheça a seguir alguns desses lugares.
Nova York
O maior clichê sobre Nova York é também o mais verdadeiro: lá se encontra de tudo, e isso inclui a pizza. Você pode optar pela pizza recheada à moda de Chicago, pela pizza napolitana igualzinha à que você comeria em Nápoles ou, se fizer muita questão, de uma pizza de frango com catupiri à brasileira. Mas o nova-iorquino é orgulhoso da tradição própria da cidade: a new york pizza é um estilo famoso mundialmente e copiado de costa a costa nos EUA.
Na forma mais ordinária, são aquelas fatias para comer em pé, com queijo pingando gordura e molho com um ligeiro sabor de ketchup. Na elite do estilo, estão os fornos a carvão da Lombardi’s ou da Grimaldi’s. Mas nenhuma outra pizzaria é tão cultuada como a Di Fara, no Brooklyn. Localizada numa esquina feia de um bairro feio, a Di Fara é um restaurantezinho sem charme, com poucas mesas de fórmica, paredes verdes repletas de recortes de revistas e um balcão que dá para a área em que trabalha Domenico DeMarco.
Desde 1964, esse italiano de Caserta (perto de Nápoles) se ocupa sozinho de todas as etapas de todas as pizzas que serve, desde sovar a massa até cortar as fatias. O lugar só aceita dinheiro. E nem existe um forno a lenha ou a carvão: as pizzas são assadas no gás, mesmo. Ainda assim, há gente em pé na pequena pizzaria, esperando para comer, a qualquer hora de qualquer dia. As pizzas de DeMarco foram eleitas pelo guia Zagat como as melhores de Nova York por oito anos consecutivos.
O velhinho sai sempre na imprensa, na maioria das vezes em notas de tom elogioso – Jeffrey Steingarten, crítico de gastronomia da Vogue americana e autor do best-seller O Homem que Comeu de Tudo, quase foi crucificado pelos fãs da Di Fara por afirmar que a pizza é “banal”. Fui checar se o hype era merecido. Pedi uma pizza sem itens adicionais (há extras interessantes, como cogumelos porcini e miniberinjelas) para a mulher que anotou meu nome num papel cheio de rabiscos sem ordem lógica aparente.
A espera era em pé e sem cerveja, mas com limonada gasosa italiana San Pellegrino, possivelmente a Ferrari dos refrigerantes. Várias pizzas saindo, mas nunca a minha. Observo o trabalho de mister DeMarco: o tiozinho põe uma pizza pronta no forno e vai aos fundos da loja, onde pega algumas bolas de massa crua, volta, abre o disco com as mãos sujas de farinha, espalha o molho, a mussarela comum ralada mais uns nacos de mussarela de búfala e mete a pizza no forno. Sai para fazer sei lá o quê e volta para checar a produção. Está meio queimada de um lado, mas ainda assim eu torço para que seja a minha. Joga um tanto de parmesão, um fio de azeite, se abaixa e pega um enorme ramo de manjericão, que corta sobre a pizza com uma tesoura. Depois corta fatias irregulares e despacha para um cliente que não era eu. A fome começa a ficar braba quando, meia hora depois, vaga uma mesa, à qual me atiro deixando para trás os princípios básicos da civilidade.
A pizza mesmo só chegou após mais 30 minutos. Massa crocante, que para em pé se você segura a fatia pela borda; muito molho muito temperado, ao gosto americano; queijo deliciosamente derretido. Vale o hype? Na hora valeu, mas eu estava faminto demais para fazer um julgamento isento.
Di Fara Pizza
Onde: 1 424 Avenue J, Brooklyn, NY, Estados Unidos difara.com
Pizza marguerita: US$ 25 (R$ 40)
Nápoles
Nápoles não é uma cidade agradável. Terra da Camorra e de motoristas insanos, dá ao visitante a sensação de que o atropelamento ou o roubo são iminentes. Só que, quando o assunto é pizza, Nápoles é solo sagrado. Um verdadeiro fã precisa visitar a cidade pelo menos uma vez na vida. Numa viagem a Roma com minha mulher, inventei um passeio às ruínas de Pompeia apenas para passar por lá. Meu destino: L’Antica Pizzeria Da Michele. Caso alguém não saiba: na Itália isso é nome de homem, pronuncia-se “miquele” e equivale ao nosso Miguel.
A pizzaria existe desde 1870 e (não que isso valha muito, mas…) aparece em Comer, Rezar, Amar, livro e filme, além de ser citada como “favorita dos intelectuais, profissionais, atores e cantores” em um livro escrito por Sophia Loren. O cardápio, colado à parede, deixa claro que ninguém está lá para frescuras: temos água, refrigerante, cerveja, pizza marinara (só molho de tomate e alho), marguerita (molho de tomate, mussarela e manjericão) e marguerita com queijo duplo. A única complicação é que os discos têm três tamanhos: normal, médio e máxi.
Como desconheço o que é normal para um napolitano, intercepto o garçom e esbanjo todo o meu portuliano. “Come è normale? Cosí?”, pergunto, fazendo com as mãos um círculo mais ou menos do tamanho de um prato. O amigão bufa, revira os olhos, joga o pescoço para trás e ergue as mãos para o céu antes de responder “normale è normale!” e me dar as costas para atender outro cliente. Quando consigo de novo sua atenção, peço uma marguerita e ela, uma marinara. Ambas do tamanho normale. A pizza chega logo e excede as bordas nos nossos pratos. Assada em segundos no forno a lenha, a marguerita tem pouco queijo e uma ou duas folhas de manjericão. O molho reina sobre a massa elástica, fininha no meio e com a beirada grossa. O tomate é quase doce, vermelho-vivo, perfeito, assim como o equilíbrio entre os comedidos ingredientes.
Terminei a minha pizza, ela não, terminei a dela também. Meia hora depois de entrar pela porta centenária da Michele, saio para encarar novamente os monstros motorizados e o trem para Roma.
L’Antica Pizzeria da Michele
Onde: Via cesare Sersale, 1/3, Nápoles, itália damichele.net
Pizza marguerita: € 4,50 (R$ 11)
São Paulo
A pizza da Castelões talvez não seja a melhor da cidade, mas é a mais representativa da tradição paulistana. A casa está no mesmo endereço desde 1924, servindo políticos, boleiros e até casais. Se outras pizzarias se orgulham da rúcula com tomate seco ou da endívia com mel, aqui a especialidade é a calabresa, sem firula. Antes de chegar num domingo à noite, passei por várias quadras desertas do Brás – uma antiga área industrial do Centro de São Paulo. O letreiro iluminado da pizzaria parecia ser o único sinal de vida naquele trecho da Rua Jairo Goes. Alguns carros estão estacionados nas proximidades da pizzaria, e a presença de um vigia nos sugere que é seguro parar o meu também. Lá dentro, é tudo mais agradável: o cheiro de pizza, os antepastos expostos num balcão envidraçado, as fotos antigas e flâmulas de futebol penduradas nas paredes, as garrafas de uísque que parecem estar lá desde sempre.
Os garçons também trabalham lá há um tempão e transparecem um certo cansaço, mas são simpáticos. Meu pedido é uma pizza metade marguerita, e metade do sabor que leva o nome da casa, simplesmente mussarela com rodelas de calabresa. Espere lá, não é tão simples assim: ali eles não usam calabresa de supermercado, mas uma linguiça caseira curada, levemente picante e com a dose certa de ervadoce. Uma porção generosa de rodelas cobre totalmente o queijo e frita na própria gordura no forno a lenha quase centenário. Na marguerita, o molho de tomate cru também vem por cima da mussarela e, sobre ele, grandes folhas de manjericão aplicadas após a pizza sair do forno. Nos dois sabores, o recheio é farto, mas não exagerado. A massa é a mais grossa que se pode encontrar em SP, com uma borda que invade três dedos do disco e vem com uma irresistível casquinha de queijo tostado. Há quem despreze esses nacos de pão macio. Eu sou do tipo que gosta de roubar a borda dos pratos dessas pessoas.
Cantina Pizzaria Castelõee
Onde: rua Jairo Goes, 126, São Paulo, SP, tel.: (11) 3229-0542
Pizza marguerita: R$ 43
Buenos Aires
Se você conseguir enxergar além do churrasco quando for a Buenos Aires, vai notar que os argentinos adoram pizza. E a comem num ritual peculiar, que inclui a fainá, massa de grão-debico assada no mesmo formato de uma fatia de pizza, para ser disposta sobre essa fatia, fazendo um tipo de sanduíche.
O expoente máximo dessa cultura pizzaiola portenha é um lugar chamado El Cuartito, desde 1934 na Recoleta. Tensos, todos os olhos estavam voltados para as TVs do enorme salão na noite em que fui ao Cuartito com um grupo de amigos, brasileiros residentes na Argentina. O que passava era Brasil x Argentina, a final de um torneio de seleções sub-16 que nenhum de nós tinha ouvido falar.
O sabor escolhido foi a napolitana, que na Argentina significa muita mussarela com rodelas de tomate e uma mistura de salsinha e alho picados jogada sobre a pizza já assada. E fainá. O que a pizza tinha de feia – com a aparência de uma massa pré-assada montada por um estudante de república –, tinha de deliciosa. Todos os ingredientes eram de primeira qualidade, a massa era crocante e saborosa e o alho emprestava um aroma que nem Drácula resistiria.
OK, a tal fainá. Mas comê-la junto com a pizza não melhorava nem uma nem outra. Entre uns goles de Quilmes, acompanhamos silenciosos o Brasil bater a equipe local na disputa de pênaltis – aquilo, sim, melhorou a nossa noite.
El Cuartito
Onde: talcahuano, 937, Buenos aires, argentina galeriaelcuartito.com.ar
Pizza napolitana: $ 58 (R$ 23)

Faça sua massa de pizza

Receita de Edrey Momo, das pizzarias 1900
Ingredientes (para 4 pizzas)
1 kg de farinha de trigo, 500 ml de água,
5 g de fermento biológico, 50 ml de azeite,
5 g de açúcar, 5 g de sal
Modo de fazer
1. Dissolva o fermento na água morna com açúcar e azeite.
2. Numa superfície de pedra, faça um monte de farinha e, no topo dele, um buraco. Como num vulcão.
3. Vá adicionando o líquido aos poucos e misturando com a ponta dos dedos.
4. Junte o sal. Sove a massa e a deixe crescer num lugar morno por meia hora.
5. Divida a massa em quatro e abra os discos com um rolo. Uma pizza grande tem uns 35 centímetros de diâmetro.

Tipos de pizza

Napolitana
Massa elástica e macia, fina no meio e grossa na borda. Bastante molho de tomate enlatado e pouquíssimo recheio. Assada no forno a lenha. Quando foge do básico molho + queijo, o recheio costuma ter legumes ou embutidos de carne de porco.
Romana
A capital italiana tem três tipos principais de pizza: discos de massa fininha e crocante, a pizza al taglio (grandes retângulos que são vendidos por pedaço nas padarias) e a pizza bianca, que são quadrados de massa que você pede para rechear na hora, como um sanduíche.
Paulistana
Há duas vertentes, a da massa fina e a da massa grossa. Mas a pizza é sempre assada no forno a lenha e leva bastante recheio. Em comparação às pizzas italianas e americanas, tem pouco molho, quase sempre feito com tomate cru e orégano.
Nova-iorquina
Assada em forno a gás ou a carvão, leva pouco queijo e muito molho, geralmente cozido e bastante temperado. A massa costuma ser consistente o bastante para que a fatia pare em pé ao se comer com as mãos.
Chicago
Os dois estilos da cidade são a deep dish e a recheada. Ambas são feitas em assadeiras fundas em forno a gás e levam uma quantidade absurda de molho, queijo e outros ingredientes. A diferença entre elas é que a recheada tem uma segunda camada de massa por cima, coberta pelo molho.
Argentina
Massa de espessura média, com muito molho de tomate cozido e bastante queijo. É tanto recheio que a massa fica sem borda.